quarta-feira, 8 de maio de 2013

O que está acontecendo com as passagens de pedestres de Porto Alegre?


          Desde 2009, venho acompanhando um assunto que tenho visto se repetir por toda a cidade: a venda, por parte da prefeitura, de passagens de pedestres, algumas delas caracterizadas pela presença de escadarias. O que ocasionou meu primeiro contato com o assunto foi, quando em choque, descobri que uma escadaria, do trajeto que cortava duas ruas e ligava a Igreja da Vila Assunção à orla do Guaíba, estava bloqueada por um tapume. Irresignada pelo fato, posto que passei minha infância e adolescência "pra cima e pra baixo" naquelas passagens, procurei me informar sobre a possibilidade de que os vizinhos (que o juridiquês chama de lindeiros) simplesmente tivessem se apropriado, como já havia acontecido no bairro há um certo tempo atrás. Mas, o que eu descobri foi mais surpreendente: elas estavam sendo vendidas!!
          Deu-se início a uma verdadeira epopéia para entender o que havia ocorrido - mas vou poupar quem me lê- , que acabou identificando algumas irregularidades e ilegalidades na alienação (olha o juridiquês de novo:  é uma forma de transferir a propriedade de algo, de uma pessoa para outra, como ocorre numa venda). Um grupo de pessoas, do qual eu fazia parte, listou um série de argumentos contrários à venda e encaminhou ao Ministério Público (MP) para que fossem analisados. O MP instaurou um inquérito civil para investigar a venda das passagens e, desde logo, determinou que fossem suspensas todas as negociações. Como resultado final, estabeleceu com a prefeitura um Termo de Ajustamento de Conduta , no qual um grupo de trabalho será formado para analisar as passagens uma a uma, fazendo um levantamento de suas condições e verdadeira utilização. O prazo final para a entrega desse trabalho é 2014.
          Mas todo o processo descrito tratou apenas do bairro Vila Assunção e tenho tido notícia de que a venda  de passagens está tomando gente de surpresa por toda a cidade. Teve contestação em Petrópolis, na Bela Vista, na Floresta, pois as pessoas só ficam sabendo que esses espaços públicos foram vendidos, quando não podem mais utilizá-los. 
       Na minha epopéia, descobri algumas coisas interessantes. Uma delas é que a prefeitura quer se desfazer de 75% das passagens da cidade. Os argumentos que são apresentados, invariavelmente, tem como cerne a questão da segurança. Dizem que a vizinhança, principalmente os lindeiros, sofrem com o medo de assaltos, com o acúmulo de lixo, com o consumo de drogas que se verifica nesses espaços. O que, na maioria das vezes, é fato.
         Mas, aí tem o outro lado da questão: será que fechando os espaços públicos resolve-se a questão da segurança? Partindo desse princípio, fecharíamos praças e parques, quem sabe, ruas e bairros? Não acredito nisso. Acredito, sim, é que os espaços públicos merecem ser cuidados pela administração pública e, é claro, pela comunidade. Cabe a prefeitura a manutenção, com capina, limpeza e iluminação. Aos cidadãos cabe o zelo e a consideração pelo espaço público, que sendo de todos, por todos deve ser preservado, como fazem com seu próprio pátio. Resto de podas, de caliça e lixo em geral tem lugar certo, que não é nos canteiros das ruas, passagens de pedestres ou nas praças. Precisamos pensar no coletivo.
          Outra coisa que descobri foi que, para vender bens públicos, existem regras que devem ser obedecidas. Uma delas é ouvir a comunidade envolvida, através de audiências públicas amplamente divulgadas. Só com a concordância dos cidadãos, podem ser efetivadas as vendas. Também descobri que, para que esses bens sejam alienados, eles devem ter perdido sua função ou utilidade. Como ocorreu no caso das escadarias da Vila Assunção,  as queixas que tenho ouvido são que os bairros estão perdendo as suas passagens sem que esses dois requisitos tenham sido cumpridos. 
        Em breve, estamos planejando fazer um evento em uma das escadarias da Vila Assunção que, apesar de ainda resistir aberta por força do MP, está abandonada pela prefeitura e sofrendo com o descaso de alguns vizinhos. Esse evento objetiva dar visibilidade ao problema e conscientizar as pessoas quanto ao cuidado com a sua cidade. Se alguém souber de situações parecidas e que envolvam passagens em qualquer bairro, deixe um recado aqui. Existem movimentos que atuam na preservação dos espaços, como o Passagem com Arte, e grupos interessados em discutir o assunto. Queremos uma cidade voltada aos interesses de seus cidadãos e, só juntos, podemos fazer isso acontecer.

Foto André Huyer  - Passagem originalmente 
Passagem já sendo destruída, após a venda

15 comentários:

  1. Todo o movimento de preservação que visa manter a identidade e o bem estar da população e da cidade tem minha consideração e apoio no que puder ajudar.....Abraços Vera Behs

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  2. Perfeito! As escadarias da Vila Assunção, além da questão da funcionalidade, fazem parte da ambiência decorrente do projeto do bairro como cidade-jardim. Preservar as características da cidade é imprescindível para a manutenção de nossa identidade. Abraço!

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  3. Não há limites para a estupidez dessa administração municipal. O projeto da “Villa Assumpção” é de 1937, e suas passagens para pedestres são parte essencial do mesmo. Seu sistema viário foi projetado em estrita concordância com a topografia. Devido a esse cuidado, resultaram várias quadras de grande comprimento, problema que foi resolvido com a inserção de passagens para pedestres. Este sistema permite circular por toda a área, pois as passagens são interligadas entre si e com praças, possibilitando também ao pedestre vencer rapidamente os desníveis da topografia. Vide pag. 143 de
    http://www.ufrgs.br/propur/teses_dissertacoes/Andre_Huyer.pdf

    Ai, desafortunadamente, elege-se um prefeito tão ignorante que só consegue ver nessas preciosas passagens para pedestres áreas descartáveis que só servem para maconheiros. Logo, devem ser abandonadas pelo poder público e rapidamente transferidas para seus amigos empreiteiros. Assim, mutila-se um bairro, que por suas características históricas e urbanísticas, deveria ser tombado pelo município.

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  4. Concordo plenamente. A Vila Assunção está sendo descaracterizada tanto pela administração pública, que ignora o valor cultural das passagens (e de outras coisas), quanto pelos empreiteiros. Casas são destruídas para que, no lugar, sejam construídos verdadeiros blocos de concreto, de estética duvidosa. Logo num bairro onde era possível encontrar exemplares da arquitetura californiana. Mas a força da grana é maior que tudo. A avenida principal, a Pereira Passos, está sendo transformada em rua comercial, colocando também em risco a identidade do bairro. É lamentável o que estão fazendo. Ótima a contribuição que fazes, indicando o trabalho do André Huyer, um profundo conhecedor da região. Li a dissertação quando fizemos a denúncia da venda das passagens no Ministério Público e quando fiz meu TCC. Obrigada pelo comentário.
    Jacqueline Custódio

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  5. Bem legal! É isso que temos que fazer: concentrar forças. O momento político é bom, pois o novo código de convivência urbana está em discussão. No dia 14 de maio, às 19h, tem audiência pública para discutir sobre Logradouros Público. Tem um evento no facebook convidando.

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  6. Olá,

    Sou estudante de jornalismo e trabalho na Agência de Comunicação da Unisinos.

    Estou preparando uma matéria para rádio que vai falar sobre a iniciativa da Procuradoria Geral de Porto Alegre ref. Artigo 1.276 do Código Civil (Lei 10.406).
    O projeto prevê a apropriação pelo poder publico de imóveis abandonados, desde que comprovadamente inutilizados, com dívidas e não reclamados pelos proprietários.
    Minha idéia é fazer um link com a possibilidade de destinação destes imóveis para moradia social ou espaços culturais.

    Por favor informe se poderiamos gravar uma entrevista a respeito do tema.

    Grato,
    Caubi Scarpato
    cscarpato@agexcom.com.br

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    1. Quando quiser. Respondi para teu email, com meus contatos.
      Abraço.

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  7. No bairro Jardim Itu Sabará, mais precisamente no Coinma, quase todas as passagens foram fechadas, não pela prefeitura, mas pelos lindeiros que ampliaram seus terrenos. E mais um praça popularmente conhecida como Carecão que foi cercada e hoje é uma quadra de futebol de aluguel. hoje se alguma criança quiser brincar naquele espaço tem que pagar.

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    1. Jefferson, já estou passando teu relato para o grupo que está começando a fazer um estudo sobre o assunto. Para começar, temos uma audiência pública para tratar dos espaços públicos da cidade em 14 de maio, às 19h, na Câmara dos Vereadores. Se puderes ir e levar pessoas, seria muito interessante! Fique em contato.
      Abraço.

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  8. A servidao de passagem da Rua Bororó ao lado do nr. 207 foi invadida e cercada pelo proprietário muitos anos atrás. Consta haver açao judicial para reaver a área, mas é pouco provável porque do que sei isto tem mais de 15 anos. Meu email é ademir@advogar.com e posso dar mais detalhes e aprticipar de atos de defesa dessas áreas.

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    1. É, quando comecei a investigar sobre o assunto, sabia que existiam 2 passagens entre a Bororó e a Possidônio. Eu inclusive fotografei o local. Está cercado, mas, pelo menos, não está construído. Existe um termo de ajustamento de conduta (TAC) do MP com a Prefeitura, pelo qual TODAS as passagens serão avaliadas para que se tome alguma atitude a respeito. Vou entrar em contato contigo. Abraço!

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  9. A prefeitura e as instituições são maioria no CMDUA, representante das regiões são minoria. Assim quando pedem o desgravame de servidão ou passagem de pedestres, perdemos a votação e fica desgravado(permitido desmanche e anexação a terrenos). Conselheiro pela RP1!

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  10. estou percebendo um padrão nas ações da prefeitura. Se querem se desfazer, vender uma parte do patrimônio público, basta descuidarem desta parte. Assim como no caso das árvores, a SMAM descuida e aí adoecem e precisam ser retiradas. No caso das passagens/escadarias está ocorrendo o mesmo. A prefeitura se utiliza de quaisquer argumentos para fazer o que quer, mesmo que a própria tenha criado estes argumentos através de má administração ou omissão.

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  11. tu tens alguma notícia sobre esse assunto? passei numa escadaria da Assunção hoje e fiquei indignada...

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  12. Oi, Alessandra! Até tenho, mas não é alentadora. Em 2015, conforme Termo de Ajustamento de Conduta (TAC)firmado entre Ministério Público (MP) e Prefeitura, foi feito um levantamento de todos os próprios municipais, com diagnóstico de cada passagem (conservação, invasão etc.). Numa audiência pública, com a presença do MP. Procuradoria do município (PGM) e vice-prefeito o levantamento foi apresentado e ficou estabelecido que MP e PGM se reuniriam e indicariam uma possível solução para cada caso e, então, seria dado o retorno para a comunidade discutir as soluções apontadas. Mas, até o momento, não temos notícia de que esse procedimento está em curso. A associação de moradores já pediu agenda com o vice-prefeito há meses, mas sem resposta. Fico impressionada com os rumos de nossa cidade. Na Vila Assunção, não são apenas as passagens de pedestres, mas um edifício de 5 andares que está sendo construído, quando a altura máxima é de 9m (equivalente a 3 andares), é o Restaurante Al Nur que deveria ter, no máximo, 200m² e tem 600m², um condomínio na Potiguara que devastou área verde com espécies protegidas para também fazer "edifício" e por aí vai. O poder econômico não tem limites, nem mesmo para proteger aquilo que lhe rende: a Vila Assunção tinha características urbanísticas que lhe conferiam o status de Cidade Jardim, o que, de certa forma, lhe agregava valor. Agora, até esse diferencial que usavam está deixando de existir. As eleições estão aí, quem sabe a gente elege alguém mais comprometido com a cidadania e menos com os negócios imobiliários. Abraço!

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