domingo, 19 de maio de 2013

Operação CUB e Concutare: consequências para a cidade

          Na última semana, uma operação conjunta entre o Ministério Público e a Procuradoria-Geral do Município de Porto Alegre, denominada Operação CUB (em alusão à sigla de Custo Unitário Básico, utilizada na construção civil, ), constatou indícios de fraude na agilização de vistorias, nas etapas na liberação de licenças ou na localização de processos. Esse esquema envolvia empresários, arquitetos e engenheiros que, através de propina que variava entre R$ 75 e R$ 5 mil paga a funcionários públicos da Smurb, tinham seus processos "agilizados".Só no período de investigação, o número de processos irregulares chega próximo a uma centena. (para saber mais, clique aqui).
         Quem acompanha com o olhar um pouco mais crítico às mudanças que vêm ocorrendo em Porto Alegre não se surpreende com isso. Temos assistido o surgimento de empreendimentos que vão de encontro com muitas das diretrizes estabelecidas para o local e, muitas vezes, contrariam o bom senso. São construções de valor estético e histórico, mesmo que peculiar apenas á comunidade onde se localizam, que são destruídas em menos de 24h, como para que ninguém possa se opor à sua derrubada. Na Vila Conceição, por exemplo, uma casa onde teria vivido familiares de Jango Goulart, foi destruída em um dia e o terreno dividido em sete lotes. Não deu nem tempo de confirmar a informação e nada mais havia para contar.
         Mas as consequências podem ser piores. Não sei se esse processo que vou citar encontra-se dentre os investigados, mas me leva a pensar que o simples bom senso não o teria liberado. Trata-se do projeto de um empreendimento na Av. Coronel Marcos, próximo ao Centro Esportivo Ipanema, que prevê a construção de 11 blocos de apartamentos com três e quatro andares em plena orla do Guaíba. Alguns aspectos chamam a atenção. O primeiro é que se trata de uma área de interesse cultural, posto que será localizado no lado direito da via (sentido centro-bairro), constituindo a nossa tão maltratada orla. Muitos condomínios têm sido construídos aproveitando o belíssimo cenário que o rio e o sol compõem. Mas, ainda que sejam a concretização de uma crescente privatização da orla, mantêm um mínimo de harmonia com as características do bairro. A comunidade considera como o primeiro empreendimento que irá descaracterizar o aspecto residencial do bairro, não tendo ligação com o ambiente que estarão inseridos. É surpreendente que o EPAHC não tenha se oposto a esse projeto por tudo o quanto representa para a comunidade e para a cidade.
           Não é só isso. O local é também é um dos últimos terrenos com vegetação nativa da região. Considerada área de preservação permanente, pois corresponde a faixa marginal de 30 metros do Lago Guaíba, é também zona de amortecimento do Morro do Osso, que se constitui em Unidade de Preservação. Ainda são vistos alguns bugios no local. Uma das condicionantes ambientais seria a manutenção do perfil natural do terreno para evitar danos ao sistema radicular das árvores remanescentes. A SMAM deveria manifestar-se sobre o assunto de forma contundente. Mas, mais uma vez, fomos surpreendidos pela venda de laudos por instituições que deveria zelar pelo meio ambiente (lembram da operação Concutare? clique aqui). 
          Esse é um caso emblemático. No conselho municipal de desenvolvimento urbano e ambiental, os representantes da comunidade têm lutado contra inúmeros projetos tão prejudiciais quanto esse, em especial na Zona Sul, onde imobiliárias e construtoras veem apenas um local a ser explorado, sem outra preocupação. Com já manifestei antes, a participação popular tem sido usada para validar as decisões, não  se mostrando forte o suficiente para barrar aquilo que a comunidade não está de acordo. A própria composição do conselho já se constitui um empecilho à efetiva participação. Além disso, enfrentamos as fraudes de licenciamentos ambientais e urbanos, como temos visto atualmente.
Tudo isso leva à construção de uma cidade que arquiteto João Filgueiras Lima, o Lelé, define como grande Frankenstein (leia o artigo inteiro aqui):
"Todo mundo quer morar onde convém e o mercado se aproveita disso para fazer um adensamento descomprometido com a cidade." Em sua opinião, "não há mais como planejar", até porque "as cidades estão se desintegrando" e "não oferecem soluções". A seu ver, "o arquiteto deveria ser o (médico) clínico da cidade; no entanto, não tem uma visão global e as obras vivem um Frankenstein. A cidade é o maior Frankenstein de todos".
         Existem opções para a construção de uma cidade sustentável e com qualidade de vida. Depende da  vontade da administração pública em estabelecer políticas urbanas que tenham como parâmetros a preservação do meio ambiente e o planejamento conforme a legislação existente, evitando as inúmeras flexibilizações que o mercado acaba demandando. Mas, o que deve ser considerado sempre é qual a cidade que querem seus cidadãos. E isso definitivamente não vem ocorrendo em Porto Alegre.

http://leonelbraz.blogspot.com.br/2012/02/revitalizacao-da-orla-do-guaiba-e.html

Fontes:
http://leonelbraz.blogspot.com.br/2012/02/revitalizacao-da-orla-do-guaiba-e.html
http://amigosdaterrabrasil.wordpress.com/2013/05/03/carta-aberta-da-apedema-e-do-mogdema-sobre-a-operacao-concutare/
http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,caminhos-para-enfrentar-o-frankenstein-urbano,1011854,0.htm
http://www.mp.rs.gov.br/noticias/id31907.htm
http://www.brasil.gov.br/sobre/cultura/arquitetura/joao-filgueiras-lima-lele-1932

2 comentários:

  1. JACQUE,

    NOS BRINDAS COM MAIS ESSA PÉROLA DE TEXTO EXPRESSÃO DA MAIS PURA CIDADANIA!

    PARABÉNS!

    Um fraterno e ecológico abraço,

    Sandra.

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