sábado, 22 de junho de 2013

A Utopia da Autonomia - lição de Manuel Castells

Diante das intensas e amplas mobilizações ocorridas no Brasil, o pensador contemporâneo mais citado nas últimas semanas foi o sociólogo espanhol Manuel Castells. É dele a triologia Sociedade em Rede, e, desde os anos 90, vem analisando as mudanças nas comunicações e relações na sociedade, a partir dessa nova dinâmica de difusão de informação. No novo livro, ainda não lançado no país, Castells analisa os movimentos sociais ocorridos na história mundial recente. Dentre as muitas reflexões, o sociólogo tenta identificar características comuns em movimentos ocorridos em contextos tão díspares, como as ocorridas no Egito, Espanha e Estados Unidos. Compartilho, e esse é um termo muito apropriado para o tema, trechos do livro, de minha livre tradução, sobre as citadas características, pois acredito que estamos vivenciando a utopia da autonomia.
A partir da análise dos movimentos sociais da última década, Castells identifica um número de características comuns dentro desta nova forma de relação encontrada no século XXI. A primeira delas é que os movimentos sociais utilizam múltiplas formas de conexão. O uso da internet e de celulares é essencial, mas além das conexões que se estabelecem online e offline, existem redes sociais pré-constituídas, bem como formadas durante as ações dos movimentos.
Uma segunda característica é que, apesar de os movimentos usualmente iniciarem nas redes sociais da internet, eles só se tornam um movimento quando ocupam o espaço urbano. Esse espaço de ocupação se dá em lugares ou prédios simbólicos e, com a possibilidade de interação entre os participantes através de acesso à internet, dá origem a um terceiro espaço, híbrido de espaço virtual e espaço urbano, que Castells denomina de espaço de autonomia, uma nova forma espacial de movimentos sociais em rede.
Outra característica apontada é que os movimentos são locais e globais ao mesmo tempo. Eles se iniciam por questões locais, em contextos específicos, construindo seu espaço público através da ocupação urbana e da articulação das redes da internet. Mas também são globais, pois são conectados ao mundo, aprendendo com outras experiências e, até mesmo, inspirados nessas, de forma a propiciar um maior engajamento em suas próprias mobilizações.
Em termos de gênese, esses movimentos são largamente espontâneos em sua origem, usualmente disparados por uma centelha de indignação, relacionada a um evento específico ou ao somatório de insatisfações com relação aos governantes. Em ambos os casos, são originados de um chamado à ação, criando uma comunidade de insurgentes. A origem de tal chamado é menos relevante do que o impacto da mensagem nos múltiplos e indeterminados receptores, que se conectam emocionalmente com a forma e o conteúdo da mensagem. Destaca-se que as mensagens que contêm imagens têm um potencial maior de mobilização.
Os movimentos são virais, seguindo a lógica das redes de internet. Não só pela característica da difusão das mensagens, mas pelo efeito dos movimentos surgindos em todos os lugares. Assistir e escutar os protestos em outros lugares, mesmo que em contextos distantes e em diferentes culturas, inspira a mobilização porque aponta com a esperança da possibilidade de mudança.
A transição da indignação para a esperança é acompanhada de deliberação no espaço de autonomia, que ocorre através de assembleias ou comitês designados em assembleias. Isso se justifica pela já comentada ausência de líderes e pelo sentimento de descrédito na representação política vigente e conhecida. A questão chave para o movimento é a união, sentimento através do qual as pessoas vencem o medo e descobrem a esperança. A união é ponto de partida e fonte de empoderamento, que se estabelece numa rede horizontal, sustentada pela cooperação e solidariedade, prescindindo de lideranças formais.

Além disso, conclui Castells, tais movimentos são altamente autorreflexivos, questionando-se indivíduo e coletivo, raramente programáticos, não violentos e políticos em sentido amplo. Eles projetam uma nova utopia de democracia em rede, baseada nas comunidades local e virtual em interação. Acrescenta, ainda, que utopias não são meras fantasias. A maioria das ideologias políticas modernas têm suas raízes em sistema políticos originados de utopias. O que esses movimentos estão propondo em suas práticas é uma nova utopia no cerne da cultura da sociedade em rede: a utopia da autonomia do sujeito em face às instituições da sociedade.
Existe também um site sobre o sociólogo espanhol. Para saber mais, clique aqui.
http://www.laparola.com.br/as-manifestacoes-filmadas-pelos-manifestantes
Fontes: Networks of outrage and hope, social movements in the internet age. Manuel Castells.  Cambridge: Polity, 2012.

2 comentários:

  1. Melhor interpretação dos fatos que já tive a oportunidade de ler até o momento.

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  2. Jacque, parabéns!

    Fizeste um link perfeito sobre o que diz Castells com o que está acontecendo no Brasil em termos de manifestações locais e nacionais!!!!!

    Excelente!

    Bjs,

    Sandra.

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