Diante
das intensas e amplas mobilizações ocorridas no Brasil, o pensador
contemporâneo mais citado nas últimas semanas foi o sociólogo espanhol Manuel
Castells. É dele a triologia Sociedade em Rede, e, desde os anos 90, vem
analisando as mudanças nas comunicações e relações na sociedade, a partir dessa
nova dinâmica de difusão de informação. No novo livro, ainda não
lançado no país, Castells analisa os movimentos sociais ocorridos na história
mundial recente. Dentre as muitas reflexões, o sociólogo tenta identificar
características comuns em movimentos ocorridos em contextos tão díspares, como
as ocorridas no Egito, Espanha e Estados Unidos. Compartilho, e esse é um termo
muito apropriado para o tema, trechos do livro, de minha livre tradução, sobre
as citadas características, pois acredito que estamos vivenciando a utopia da
autonomia.
A
partir da análise dos movimentos sociais da última década, Castells identifica um número de características comuns dentro desta nova forma de
relação encontrada no século XXI. A primeira delas é que os movimentos sociais
utilizam múltiplas formas de conexão. O uso da internet e de celulares é
essencial, mas além das conexões que se estabelecem online e offline, existem
redes sociais pré-constituídas, bem como formadas durante as ações dos
movimentos.
Uma
segunda característica é que, apesar de os movimentos usualmente iniciarem nas
redes sociais da internet, eles só se tornam um movimento quando ocupam o
espaço urbano. Esse espaço de ocupação se dá em lugares ou prédios simbólicos
e, com a possibilidade de interação entre os participantes através de acesso à
internet, dá origem a um terceiro espaço, híbrido de espaço virtual e espaço
urbano, que Castells denomina de espaço
de autonomia, uma nova forma espacial de movimentos sociais em rede.
Outra
característica apontada é que os movimentos são locais e globais ao mesmo
tempo. Eles se iniciam por questões locais, em contextos específicos,
construindo seu espaço público através da ocupação urbana e da articulação das
redes da internet. Mas também são globais, pois são conectados ao mundo,
aprendendo com outras experiências e, até mesmo, inspirados nessas, de forma a
propiciar um maior engajamento em suas próprias mobilizações.
Em
termos de gênese, esses movimentos são largamente espontâneos em sua origem,
usualmente disparados por uma centelha de indignação, relacionada a um evento específico
ou ao somatório de insatisfações com relação aos governantes. Em ambos os
casos, são originados de um chamado à ação, criando uma comunidade de
insurgentes. A origem de tal chamado é menos relevante do que o impacto da
mensagem nos múltiplos e indeterminados receptores, que se conectam emocionalmente
com a forma e o conteúdo da mensagem. Destaca-se que as mensagens que contêm
imagens têm um potencial maior de mobilização.
Os
movimentos são virais, seguindo a lógica das redes de internet. Não só pela
característica da difusão das mensagens, mas pelo efeito dos movimentos
surgindos em todos os lugares. Assistir e escutar os protestos em outros lugares, mesmo que
em contextos distantes e em diferentes culturas, inspira a mobilização porque
aponta com a esperança da possibilidade de mudança.
A
transição da indignação para a esperança é acompanhada de deliberação no espaço
de autonomia, que ocorre através de assembleias ou comitês designados em
assembleias. Isso se justifica pela já comentada ausência de líderes e pelo
sentimento de descrédito na representação política vigente e conhecida. A
questão chave para o movimento é a união, sentimento através do qual as pessoas
vencem o medo e descobrem a esperança. A união é ponto de partida e fonte de
empoderamento, que se estabelece numa rede horizontal, sustentada pela
cooperação e solidariedade, prescindindo de lideranças formais.
Além
disso, conclui Castells, tais movimentos são altamente autorreflexivos, questionando-se
indivíduo e coletivo, raramente programáticos, não violentos e políticos em sentido
amplo. Eles projetam uma nova utopia de democracia em rede, baseada nas
comunidades local e virtual em interação. Acrescenta, ainda, que utopias não
são meras fantasias. A maioria das ideologias políticas modernas têm suas
raízes em sistema políticos originados de utopias. O que esses movimentos estão
propondo em suas práticas é uma nova utopia no cerne da cultura da sociedade em
rede: a utopia da autonomia do sujeito em face às instituições da sociedade.
Existe também um site sobre o sociólogo espanhol. Para saber mais, clique aqui.
http://www.laparola.com.br/as-manifestacoes-filmadas-pelos-manifestantes |
Fontes: Networks of outrage and hope, social movements in the internet age. Manuel Castells. Cambridge: Polity, 2012.
Melhor interpretação dos fatos que já tive a oportunidade de ler até o momento.
ResponderExcluirJacque, parabéns!
ResponderExcluirFizeste um link perfeito sobre o que diz Castells com o que está acontecendo no Brasil em termos de manifestações locais e nacionais!!!!!
Excelente!
Bjs,
Sandra.