sábado, 31 de agosto de 2013

Áreas de interesse cultural ou econômico?

          Quando foi reformulado o plano diretor de Porto Alegre, em 1999, foi proposto um projeto prevendo a delimitação de áreas especiais de interesse cultural. O levantamento para identificar essas áreas da cidade foi desenvolvido através de um convênio firmado entre a Prefeitura, por meio da Secretaria Municipal de Cultura, e Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Ritter do Reis. A ideia era demarcar as áreas que concentrassem bem culturais a serem preservados e, por isso, exigindo um regime urbanístico diferenciado, com restrições quanto às edificações e utilização da região. Exemplificando: as restrições sobre as edificações são relativas à altura das construções e área que pode ser construída em cada terreno, enquanto que a utilização vai determinar se será uma área exclusivamente residencial, ou se será possível a presença de comércio ou indústria. A delimitação das áreas de interesse cultural (AIC) são, portanto, imprescindíveis para uma política municipal de gestão do patrimônio cultural.
            Infelizmente, esse trabalho excelente e que fundamentou ações de preservação de nosso patrimônio cultural sofreu recentemente um processo de "atualização e revisão", dentro do atual plano diretor, no qual as AICs foram severamente alteradas. Visando uma flexibilização das regras de proteção, muitas dessas áreas sofreram importante diminuição de seus limites, enquanto que em outras, foi permitida a alteração dos índices construtivos e a introdução de outras utilizações, além da residencial, por exemplo. Fica evidente que uma grande pressão econômica por parte de construtoras, incorporadoras e imobiliária teve resultados.
           A Vila Assunção é um exemplo típico desse avanço devastador. Historicamente, um bairro projetado nos moldes de Cidade-jardim, onde a harmonia entre as moradias e a área verde era seu especial atributo, hoje assiste uma verdadeira demolição de sua essência. Casas construídas no estilo californiano, também característica encontrada nessa região da cidade, vão sendo destruídas para dar lugar a casas geminadas, formando um micro condomínio de gosto duvidoso. Passagens de pedestres, sendo vendidas e fechadas. As ruas tranquilas, que antes lembravam uma cidade do interior, agora com restaurantes, cursos de idiomas, academias de ginástica, escolas, creches, comércio em geral. Considerada AIC, a Vila Assunção, um bairro à beira do Guaíba, é, em si, um patrimônio cultural da cidade, que, pelo poder econômico, está sendo dilapidado.
Arquitetura Estilo Californiano (foto Farrapo)

Apesar de ser uma luta difícil, acredito que temos o poder de interferir na construção da cidade que queremos. Primeiro, escolhendo bem quem vamos eleger (ano que vem temos que escolher!). Mas, mais que tudo, atuando diretamente, através de associações e de mobilizações, pressionando para que nosso patrimônio cultural seja mantido, pois dele decorre a qualificação do espaço urbano e consequente qualidade de vida da população. Revisão da flexibilização já!




Mais informações sobre as AIC:
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2 comentários:

  1. Importante salientar que a recentemente criada Secretaria de Urbanismo (SMURB), instituída pela Lei 11.396 de 27 de dezembro de 2012, conforme consta no art. 2º, ficará encarregada de "planejar, viabilizar, integrar e acompanhar a execução de políticas públicas municipais de desenvolvimento urbanístico envolvendo o controle do uso do solo, a viabilidade e impacto de obras e empreendimentos, a fiscalização da correta aplicação da legislação pertinente e outras questões vinculadas à gestão da evolução física sustentável do Município de Porto Alegre."

    Infelizmente, na prática, a nova gestão municipal sequer conseguiu agilizar o fluxo de aprovação de projetos e obras de urbanismo, sendo que, pelo menos, quatro mil requerimentos aguardam distribuição no Protocolo Setorial, com possibilidade de paralisação dos servidores do órgão por melhores salários. O prédio da SMURB sequer tem Plano de Proteção Contra Incêndio (PPCI) aprovado. O caos foi instalado no setor de aprovação e licenciamento urbanístico.

    O Movimento Aprova Já (MAJ), formado por profissionais e entidades de Arquitetura e Engenharia e demais atores sociais montou um Grupo de Trabalho para analisar a questão e cobrar soluções do Governo Municipal.

    Acompanhe informações em http://aprovajasmurb.blogspot.com.br/ e https://www.facebook.com/AprovaJaSmurb?fref=ts

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  2. Olá, Jacqueline e povo interessado na preservação do patrimônio cultural de Porto Alegre!

    A Vila Assunção parece mesmo ser a "última fronteira" a ser explorada pelo mercado imobiliário na cidade. Com fortes restrições no regime urbanístico previsto para a "Cidade Jardim", o bairro ainda resiste a uma total descaracterização e deve ser das últimas ambiências urbanas que ainda não foram sufocadas pela construção em altura que acaba com o sol e a tranquilidade desse belo bairro. A linda foto do sul da cidade a partir dos altos da Vila Assunção demonstram que o lugar ainda tem uma rara qualidade de vida. A luta pela preservação dessa ambiência vale muito a pena, Jacqueline!
    Partilho uma vivência linda que tive ontem, no Bairro Rio Branco, promovida pelo "Bloco da Laje":
    http://www.flickr.com/photos/92371910@N02/sets/72157635324168340/

    Um cortejo carnavalesco animadíssimo saiu da praça da Casemiro de Abreu (em frente ao IPA) e desceu até a Goethe, resgatando o carnaval de rua que era realizado na antiga "Colônia Africana", que ficava onde hoje está o Bairro Rio Branco. Resgatar essas práticas culturais que tomam a rua como espaço público por excelência, fazendo as pessoas saírem para a calçada para brincar o carnaval, contribui enormemente para que o patrimônio cultural imaterial e a memória histórica sejam preservadas em nossa cidade. Lembrei de você, Jacque, enquanto sambava em pleno bairro Rio Branco!
    Um abraço,
    Betânia

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