O texto abaixo foi publicado originalmente no Portal Meu Bairro, no qual escrevo quinzenalmente sobre assuntos ligados à cidade e ao patrimônio cultural.
A relação de Porto Alegre com o
Cais Mauá é umbilical, pois ele faz parte de sua gênese. Seus primeiros passos
foram dados ao seu redor e, como um pai zeloso, viu sua filha crescer, saindo
de suas vistas e aventurando-se em distâncias inimagináveis aos seus olhos de
então.
O Cais seguiu na labuta, passando
os navios em revista, orquestrando as trocas de mercadorias e ajudando a cidade
a tornar-se o que é hoje. O tempo passou e o lugar perdeu sua vocação para o
comércio, mas seguiu majestoso às margens do Guaíba. E sua majestade foi reconhecida
através da vida cultural que dali brotava: sua beleza plástica, os amplos
espaços para receber a bienal e as crianças encantadas com personagens e cenários
trazidos pela Feira do Livro, embarcar no onírico Cisne Branco, manifestar-se
livremente ou sentar apenas para contemplar o por do sol, munido de chimarrão e
de amigos.
Há muitos anos, os governos apresentam
projetos, buscando oficializar o uso daquele espaço, recuperando seus prédios,
bens culturais que foram protegidos pelo Instituto de Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional (IPHAN) e pelo Município de Porto Alegre. As propostas
não se concretizaram e o Cais segue agonizando.
Mas por que isso acontece? Não
pretendo dar uma resposta definitiva, como se me pertencesse a verdade. Mas
tenho alguns palpites, principalmente em decorrência da análise da atual
proposta de revitalização de nosso cartão postal.
A respeito dela, há quem diga que
exista descrédito e desinformação por parte da população. Modestamente,
discordo. Se existe desinformação sobre o que acontece no lugar e sobre detalhes
dos procedimentos, não foi por falta de pedidos de esclarecimento. Eu mesma
pedi, oficialmente, no portal de transparência de nossa prefeitura, informações
sobre vários assuntos, como licenciamento ambiental, sobre possíveis audiências
públicas, sobre os galpões tombados etc. Sei de mais gente que pediu e jamais
recebeu resposta. Além disso, o acesso ao cais está interditado à população,
sendo proibido até mesmo fotografar o local.
Será que o fato de que a
população jamais ter sido ouvida na elaboração do projeto, não contribui com o
que tem sido chamado de metáfora dos
caranguejos? Ou talvez a indignação de ver o patrimônio cultural ameaçado,
e até mesmo destruído, como aconteceu com as gruas protegidas, mas
impiedosamente vendidas como sucata? Ou mesmo a constatação de que precisamos
de um shopping às margens de um local de contemplação e não de consumo?
Para não dizerem que apenas
sonho, lembro que o comércio de rua persiste em poucos lugares da cidade, sendo
o Mercado Público, vizinho ilustre do Cais, um exemplo histórico a ser
preservado.
As possibilidades de nos reconciliarmos
com o Cais Mauá são inúmeras e a vontade é premente. A chave para que se opere
este prodígio é envolver a população neste processo, de maneira transparente, congregando
desenvolvimento e memória, turismo e cultura, a partir de nossas características,
consolidando nossa identidade. E jamais esquecendo que a cidade só terá sentido
se for pensada para as pessoas.
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