Locomotiva da Ferrovia do Riacho: por onde anda?
A Ferrovia do Riacho foi construída com o objetivo principal de garantir o transporte de lixo do centro de Porto Alegre para a área próxima de onde hoje está a Fundação Iberê Camargo e ser despejado no Guaíba. Foi concluída em 1899 e, em 1910, começou a obra de prolongamento da ferrovia até a Pedra Redonda, já tendo em vista o transporte de passageiros. A Ferrovia do Riacho encerrou o transporte de passageiros na década de 1930 e terminou definitivamente com as atividades em 1941, quando a enchente que assolou a Capital destruiu parte da linha.
A ferrovia, portanto, teve papel fundamental na formação dos bairros da zona sul, havendo uma estação férrea na Pracinha da Tristeza (hoje a Praça Comendador Souza Gomes), por volta de 1920. A partir do resgate desta história, feita pelo arquiteto e pesquisador André Huyer, com a publicação de sua tese de mestrado, em 2012, a comunidade inciou a mobilização para trazer a locomotiva para Porto Alegre, com a intenção de colocá-la de volta na praça.
Resumidamente, a locomotiva esteve exposta no Parque da Redenção e, depois de sofrer com o vandalismo, foi encaminhada ao Museu do Carvão, em Arroio dos Ratos. De lá, foi cedida ao município de Carlos Barbosa, que queria transformá-la em mais um atrativo turístico na cidade, mas acabou abandonada, a céu aberto, no pátio de uma transportadora, como é possível ver nas fotos, e onde permanece até hoje.
Em 2015, pessoas da comunidade e ligadas a essa demanda estiveram na sede do IPHAN, em Porto Alegre, para solicitar formalmente que a locomotiva fosse trazida para a capital. Junto, foi entregue um abaixo-assinado, confirmando esse pedido e feito o relato da situação, que apontava, entre outras coisas, a existência de um inquérito civil do Ministério Público Estadual, que posteriormente passou à esfera federal, exigindo providências da Prefeitura de Carlos Barbosa em relação ao abandono da máquina; a manifestação desse Município sobre seu desinteresse em continuar com o bem e a posição da então SMAM (Secretaria Municipal de Meio Ambiente), que já havia determinado um local na Praça Comendador Souza Gomes, quando da reforma dessa, para a implantação da locomotiva.
A superintendência regional do IPHAN, em 17/05/2016, redigiu um parecer, concordando com a transferência do bem, colocando-o sob a responsabilidade do Centro Comunitário de Desenvolvimento da Tristeza, Pedra Redonda, Vilas Conceição e Assunção (CCD). Foram solicitados documentos, que incluíam uma carta-compromisso e uma perspectiva de projeto para a restauração do bem. Em setembro de 2016, o patrimônio ferroviário, que incluía a locomotiva, que era municipal, ficou sob a responsabilidade do DNIT (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes). Ao mesmo tempo, iniciou-se um processo de negociação entre o CCD e o Município de Carlos Barbosa, para que esse arcasse com as despesas de transporte do bem para Porto Alegre. Mas, mesmo com várias tentativas de diálogo, o envio da locomotiva não ocorreu, havendo a troca da administração municipal.
Em 23/05/2017, ocorreu uma reunião na sede da superintendência do IPHAN em Porto Alegre, com a presença de representantes desse órgão, do DNIT, do CCD e da Prefeitura Municipal de Porto Alegre. Neste encontro, todos concordaram com a vinda da locomotiva de volta ao seu local de origem, e, em 31/05/2016, o DNIT confirmou a possibilidade da doação da locomotiva ao Município de Porto Alegre, orientando que Prefeito Municipal de Porto Alegre formalizasse um pedido para aquele órgão. O CCD tentou por várias vezes entrar em contato com o prefeito, mas jamais conseguiu marcar uma audiência.
O quadro atual não pode ser pior: descaso da Prefeitura Municipal de Carlos Barbosa, que se mantém impassível ante a visível deterioração do bem, embora esteja respondendo ao Ministério Público Federal, que apura, inclusive, responsabilidades criminais. A comunidade não consegue agendar uma conversa com o prefeito de Porto Alegre, município que já não tem mais a mesma estrutura de secretarias que havia anteriormente, o que dificulta o acesso ao projeto de revitalização da Praça Comendador Souza Gomes, endereço futuro da máquina. Mesmo o IPHAN não tem respondido ao pedido de nova reunião para tratar do assunto.
Agora, visitada em janeiro de 2018, viu-se que o estado da locomotiva é lamentável. É visível a corrosão da carcaça em muitos lugares, inclusive com amassamento de um dos lados da cabine, possivelmente pelo choque de um dos caminhões em manobra no local, além de pichações.
Até quando o poder público vai deixar que se perca o patrimônio da população? A comunidade tem se mobilizado há anos, inclusive tomando para si uma responsabilidade extraordinária, mas sem a contrapartida de quem tem o poder de decisão. Será que vamos perder mais essa parte de nossa história?
Provável choque de um caminhão em manobra |
Pichações em sua parte frontal |
Proximidade do caminhão do bem |
Fonte da parte histórica: A Ferrovia do Riacho — Do Sanitarismo à Modernização de Porto Alegre, de André Huyer.
Fotos: Jacqueline Custódio
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