segunda-feira, 29 de julho de 2013

Um piquenique para retomar o debate sobre a venda de espaços públicos

O sábado estava nublado e existia a possibilidade de chuva. Ainda assim, uma festa pela retomada das passagens de pedestres da Vila Assunção estava em curso. Nada impediu que moradores, apoiadores e artistas viessem até a servidão que liga a Rua Goitacaz à Av. Guaíba para defender esses espaços públicos, que são muito importantes não apenas para a comunidade, mas para toda a cidade. Isso porque a Vila Assunção está situada numa área de interesse cultural, determinada no plano diretor, e, assim sendo, conta com uma proteção especial. O bairro foi projetado dentro do conceito de cidade-jardim, cujo traçado de linhas sinuosas lhe é característico, assim como um grande percentual de áreas verdes.
Foto: Verônica Torres

Por essas características, as passagens compõem a ambiência do bairro e são imprescindíveis para a mobilidade dos moradores. Contudo, em 2009, a comunidade foi surpreendida pelo fechamento de duas passagens que ligavam a Igreja da Assunção, importante patrimônio do bairro, às margens do Guaíba, patrimônio da própria cidade. A prefeitura, de forma irregular, oferecia as servidões, bens de uso comum do povo, aos proprietários dos terrenos contíguos. O assunto foi levado ao Ministério Público, que, em dezembro de 2009, deu início a um inquérito civil, constatando as irregularidades apontadas. Como resultado, em dezembro de 2012, foi firmado um compromisso de ajustamento de conduta com a prefeitura, pelo qual essa se obriga a contratar um diagnóstico das passagens realizado por uma equipe composta de profissionais de notável saber no campo da arquitetura e urbanismo e do patrimônio cultural, que deverá ser finalizado e encaminhado para a apreciação ao COMPAHC até dezembro de 2014.
Uma das solicitações feitas ao Ministério Público foi que, junto a essa equipe de profissionais, participasse a própria comunidade, trazendo o sentimento de pertencimento e afetividade ao processo. E o evento “Piquenique Julino” foi uma demonstração disso. Os moradores mantêm uma estreita ligação com esses espaços, pois eles fizeram parte de suas memórias e história. E através desse ato simbólico, que foi trazer arte e convívio para uma das passagens, reafirmam seu interesse e vontade de que elas não sejam privatizadas.
Foto: Verônica Torres

É bem verdade que existe uma pequena parcela de moradores que associa a venda das servidões às questões de segurança. O que é totalmente compreensível, quando se observa o descaso da administração pública para com esses espaços. Para que se tenha uma ideia, desde janeiro, há diversos protocolos para a substituição de lâmpadas na escadaria em que foi realizado o evento e até o momento, nada foi feito. A escuridão e a sujeira têm sido obstáculos para a utilização das servidões. Como contraponto, dentro do bairro, existe um exemplo de passagem bem cuidada e de intenso uso, situada entre a Rua Cariri e a Av. Pereira Passos.

Assim, o evento promovido pela Associação dos Proprietários e Residentes da Vila Assunção (APROVA) e pelo coletivo “Passagem com Arte”, que ocorreu no dia 20 de julho, foi um marco na retomada dessa importante discussão. O piquenique contou com a participação de muitos interessados, não apenas do bairro, mas da cidade inteira, na manutenção do patrimônio público. Entre as pessoas que vieram dar apoio ao movimento, estavam o presidente da Associação de Amigos do MACRS, Flávio Couto, a vereadora Lourdes Sprenger e o arquiteto e urbanista André Huyer. Como presente à comunidade, o artista JOTAPÊ e seus amigos executaram um belíssimo mural em uma das paredes próximas à Rua Goitacaz. Que esse evento sirva como reflexão sobre a valorização e a preservação da história e da identidade do bairro, bem como sobre os caminhos possíveis rumo à construção da cidade que se quer.
O artista JOTAPÊ iniciando sua obra.


Foto Verônica Torres
     

O artista Joel Mateus Flores em ação
Foto Roberta Garcia - Mural pronto!

Marcelo, Lourdes e Anadir
Verônica resumindo a força que moveu o evento


quarta-feira, 17 de julho de 2013

Chega de Demolir Porto Alegre agora também será um um grupo!

          Preocupada com o desmanche do patrimônio cultural (que inclui o ambiental, por certo), a sociedade civil começa a se mobilizar. São ações e eventos que vêm pipocando pela cidade, fazendo sua população ocupar os espaços públicos, que estão sendo, na melhor das hipóteses, negligenciados. Muitos piqueniques têm acontecido e, só no sábado, dia 20 de julho, estão programados três: 

  • Largo Vivo: Piquenique contra o carro centrismo (aqui informações sobre o evento)
  • Piquenique Elétrico (página do evento no facebook clique aqui)
  • Piquenique Julino na Vila Assunção (pagina do evento no facebook clique aqui)


          São ações importantes para mostrar que a população está atenta e que quer uma cidade mais voltada ao cidadão e menos aos interesses corporativos. Nesse sentido, gostaríamos de convidar a todos os interessados na preservação de nosso patrimônio cultural para a formação de um grupo para atuar em projetos voltados à essa proteção dentro da Cidade de Porto Alegre. Essa ação conta com o apoio da Defender (site), organização de defesa civil do patrimônio histórico e IAB, que cedeu o espaço para a primeira reunião. No primeiro semestre de 2013, foi lançado pela Defender o projeto "Inventários Afetivos", como forma de instrumentar a sociedade civil em defesa do patrimônio: uma demonstração de afeto, carinho e reconhecimento com sua própria história (maiores informações aqui). A ideia é retomar esse projeto e ampliar a atuação do grupo a partir de demandas surgidas. A pauta da primeira reunião segue no convite abaixo. Compareça e divulgue. Porto Alegre tem que parar de ser demolida!




A página do evento no Facebook é: https://www.facebook.com/events/330264150437413/?fref=ts


sábado, 13 de julho de 2013

A sociedade na defesa do patrimônio cultural

          Porto Alegre sofreu há poucos dias um profundo trauma ocasionado pelo incêndio que assolou parte do nosso querido Mercado Público. Se é possível ver um lado positivo no acontecimento, afora o fogo não ter consumido totalmente o local, é que as pessoas demonstraram um sentimento de pertencimento, uma identificação com o local. Como se parte de suas próprias casas estivessem sido consumidas pelo incêndio. As pessoas querem o lugar de volta, reconstituído o mais rápido possível. 
Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21
Sem dúvida, é um contraste com o que vem acontecendo não só com Porto Alegre, mas, de um modo geral, com muitas das capitais brasileiras. Nossa cidade não tem uma política efetiva de preservação de sua memória. Os órgãos que têm como função a orientação técnica para a conservação e que deveriam ser os porta-vozes da preservação são, muitas vezes, inoperantes e omissos. Mesmo funcionários de carreira, com conhecimento técnico, ficam restritos às determinações do poder municipal, que por vezes têm interesses políticos nas atribuições de cargos de chefia. A participação popular, então, é inexistente.
          O Conselho do Patrimônio Histórico Cultural (Compahc) é um exemplo perfeito da disso. Ele é composto por quinze membros designados pelo prefeito, dos quais oito da Prefeitura Municipal e sete vinculados a entidades relacionadas à questão do patrimônio. As entidades que participam do Conselho são: Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul, Instituto de Arquitetos do Brasil, Sociedade de Engenharia do Rio Grande do Sul, Associação Rio-grandense de Imprensa, Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado e Ordem dos Advogados do Brasil. Ou seja não há previsão de nenhum representante da população no Compahc, ainda que exista na própria Constituição Federal (art. 216, §1º) a seguinte orientação "O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação".
        Assim, as questões relacionadas com patrimônio cultural têm sido tratadas como questões secundárias, o que vem ao encontro da atual concepção globalizada de cidade-mercadoria, em que o desenvolvimento é medido pela capacidade de geração de lucro. O progresso, nessa compreensão tacanha, é construção de modernos edifícios, com o uso indiscriminado de vidros espelhados e com amplas avenidas, quem sabe, onde seja possível realizar uma competição da Fórmula Indy, outro sub-produto da cidade-mercadoria. O patrimônio cultural acaba sendo um entrave, que deve ser contornado a qualquer custo.
       Por isso, a sociedade tem a importante tarefa de se fazer ouvir. Já estamos aprendendo, haja vista as inúmeras manifestações que ocorreram no país, mas, no que se refere ao campo da cultura, ainda é um movimento incipiente. Aqueles que tem formação em áreas que transitam pela preservação e história têm que sensibilizar os seus círculos de contatos, difundindo informações e compartilhando pontos de vista. Temos que nos informar, porque a informação é a chave da transformação. E temos que reivindicar nossa representação nos espaços institucionais também. Exigir mudanças na composição do Compahc, como já ocorre em outros conselhos municipais. O conhecimento técnico é indiscutivelmente importante, mas não deve ser o único critério utilizado nas decisões relacionadas ao patrimônio cultural. Também os saberes das comunidades devem servir de orientação para os referencias culturais da cidade. Vamos dar vida aos inventários afetivos? Quer saber mais sobre esse projeto? Clique aqui.

Escadaria da rua João Manoel- Centro Histórico de Porto Alegre.
Escadaria da rua João Manoel- Centro Histórico de Porto Alegre

Atualmente resta apenas a fachada principal da casa, escorada por ação do Município.

Fontes: